quinta-feira, 26 de março de 2015

Era uma vez, um índio...



Todo bom brasileiro que frequentou a escola considera um índio como um personagem quase divino e os portugueses, uns malfeitores, vilões que perturbaram os índios com suas crenças exigindo conversão por bem ou por mal.  O presente texto não tem o objetivo de dizer que os indígenas são pessoas ruins ou cruéis, no entanto, diante do compromisso com a honestidade histórica, é necessário desmistificar essa imagem de seres isentos de todo pecado que muitas vezes permeia nas aulas de história que são aplicadas no Brasil.
Quando os jesuítas estiveram no Rio de Janeiro em 1646 moraram em aldeias junto com os nativos, onde dormiam, acordavam, se alimentavam e realizavam todas as atividades cotidianas. Através da carta escrita por Francisco Carneiro que era reitor do colégio jesuíta, sabe-se que as aldeias onde viviam, ficavam perto de engenhos que produziam aguardente e vinho. Os índios desfrutavam da produção dessas bebidas, e não são rara as vezes que passavam a noite em meio a verdadeiras algazarras. Bêbados, os índios tiravam o sono dos padres. No documento estudado, o reitor reclama que o álcool levava os índios a blasfemarem contra Deus, os homens largavam suas mulheres para ter relações sexuais com outras, provocavam inúmeras brigas por diferentes motivos, que ocasionavam ferimentos e até mortes. E após noitadas tão acaloradas vários índios não acordavam pela manhã para assistir à missa, o que permite perceber que eles só iam na cerimônia por vontade própria. Preocupados com a missão que tinham, os jesuítas resolveram mudar o local de três aldeias, afastando-as dos engenhos afim de que a evangelização continuasse e que esses grupos abandonassem as práticas desregradas. Essa tentativa não deu certo, gerou revolta e vários padres tiveram suas cabanas queimadas. 
Os padres encontraram maior dificuldade ainda quando o portugueses que chegavam ao Brasil começaram a se entregar as festas e dar maior volume a estas organizações promovendo cada vez mais tais eventos. Foi necessário ao conselho municipal de São Paulo em 1583 lançar uma proibição ao colonos de participarem das matinadas com os índios. A historiadora Maria Regina Celestino de Almeida na tese Os índios Aldeados no Rio de Janeiro Colonial, de 2000 escreve ”Os índios transformaram-se mais do que foram transformados”. As festas e bebedeiras de índios e brancos mostram que não houve só tragédias e conflitos durante aquele choque das civilizações. Em pleno período colonial, muitos índios deviam achar bem chato viver nas tribos ou nas aldeias dos padres. Queriam mesmo era ficar com os brancos, misturar-se a eles e usufruir das novidades que traziam.
Algo bastante curioso é que naturalmente a maioria das pessoas acreditam que os índios eram seres totalmente passivos, calados, submissos e que os portugueses faziam tudo sozinho no Brasil. É importante saber que eles precisavam de índios amigos para entrar no mato à procura de ouro, para arrumar comidas, defender-se de tribos selvagens e principalmente para manter acampamentos na costa da praia. E para permanecer bem nessas terras os portugueses tiveram que realizar alianças com os caciques estabelecendo acordo militares. Era verdadeiramente importante para um chefe da tribo uma ajuda nas guerras, que aconteciam habitualmente. As tribos tupi por exemplo, eram obcecados pela guerra. Os homens só ganhavam permissão para casar ou ter mais esposas quando capturassem um inimigo desafiador. Entre os tupinambás, os prisioneiros eram devorados numa festa que reunia toda a tribo e convidados da vizinhança, em meio a essas festas surge a palavra “mingau” que vem da pasta feita com as vísceras cozidas do aprisionado a ser engolido.
Concluo dizendo que em diversos momentos o Brasil teve necessidade de criar e reinventar seus personagens patrióticos, a fim de alcançar os objetivos políticos almejados, diante das informações apresentadas esperasse um fortalecimento do senso crítico dos que estudam história, afim de ir além e entender as nuanças características de cada trabalho e a aquisição de uma sensibilidade para perceber como o imaginário é construído a partir de direcionamentos planejados. 

0 comentários:

Postar um comentário