Toda cidade tem tradicionalmente um santo padroeiro, essa crença nos
remete a uma relação estabelecida na Roma antiga por Rômulo, conhecida como
clientela. Todo plebeu romano, para sobreviver, colocava-se a serviço de um patrício, denominado patrono – patronus -. Os clientes
recebiam dos patrícios assistência jurídica e terras para cultivo. Por sua vez, os afiliados tornavam-se
fiéis aos patrícios votando segundo a sua indicação e deviam respeito a seus
patronos como estes, reciprocamente, deviam-lhes proteção.
A cidade do Rio de Janeiro confia seus cuidados
a São Sebastião, em Minas Gerais a esperança é depositada em Nossa Senhora da
Piedade que se comemora no dia 15 de setembro, Belém do Pará é devoto a Nossa
Senhora de Nazaré que origina a vislumbrante festa popular do Círio. Não apenas
as cidades, pode-se constar essa relação em pequenas instituições - escolas,
abrigos, hospitais e etc... -, municípios e países inteiros, como o Brasil que
tem por sua padroeira Nossa Senhora Aparecida. O que deve-se observar, que para
além de um contato religioso, o padroeiro tem vínculos profundos com a
identidade, origem e formação de determinada localidade. O objetivo deste
presente trabalho é analisar a escolha de São João Batista como padroeiro da
cidade de Niterói, indagar sobre sua ligação com a história da região e
formação da sua identificação. Para isso será pontuado aspectos históricos da
fundação da cidade e desenvolvimento da mesma.
O personagem mais importante para história de Niterói é o índio Araribóia.
Ele era filho do chefe da tribo temiminó, que se localizava na ilha do
governador. Essa tribo vivia em guerra com os tamoios, que inclusive os
expulsaram de suas terras após uma sequência de batalhas. Houve portanto, uma aliança entre portugueses
de Mem de sá e Araribóia, valente guerreiro que estava sucedendo seu pai para
defender os Rio de Janeiro dos Franceses que investiam no projeto colonial
denominado França Antártica. A razão dessa união é alarmada a partir do momento
em que as forças enviadas por Mem de Sá em 1565 não conseguiram vencer os
Franceses, devido à grande quantidade de índios tamoios aliados a estes. Portanto
com a colônia em perigo, Mem de Sá, pede auxilio ao seu sobrinho Estácio de Sá,
que copiou a mesma tática que os franceses, pedindo auxílio aos índios de
Araribóia que aceitou de primeira, visto que havia a grande chance de se
vingar daqueles – os tamoios – que haviam expulsado o seu povo das antigas
terras de outrora.
O confronto aconteceu em 20 de Janeiro de 1567 no Outeiro da Glória,
Araribóia teria atravessado as águas da baia de Guanabara nadando lutando
contra as ondas de um mar agitado e desafiador. O líder temiminó foi o primeiro
a entrar no confronto, com uma tocha na mão, peitos estufados, tratou de
acender o pavio de pólvora dando gritos de ordem para os seus nativos avançarem
com bravura em direção ao oponente. Durante a luta Estácio de Sá foi atingido
de raspão no rosto por uma flecha envenenada que o levou à morte por infecção. Durante
toda a madrugada estendeu-se a guerra e portugueses e temiminós saíram
vitoriosos. A verdade é que, graças ao apoio de Araribóia, a operação
portuguesa contra os franceses foi coroada de sucesso, ele recebeu como
recompensa pelo seus feitos primeiramente um terreno em São Cristóvão, que fica
próximo à ilha do governador – antiga casa dos seus. Depois em 1573 recebeu
terras no outro lado da baía de Guanabara, onde teria a missão de protege-la.
Tal sesmaria recebeu o nome de São Lourenço dos Índios que hoje conhecemos como
Niterói.
Em um primeiro momento, Araribóia organizou a vila de São Loureço dos
Índios em um terreno que tinha uma posição estratégica: se localizava no
alto de um morro, propiciando vista panorâmica da entrada da Baía de Guanabara,
e era cercado de manguezais, o que dificultaria uma eventual invasão pela água.
Foi na Igreja de São Lourenço dos Índios, em 10 de agosto de 1583, que ocorreu
a primeira encenação da mais famosa peça do jesuíta José de Anchieta: Jesus na
Festa de São Lourenço.
Figura 1 " Por Iesú, mi salvador.// Que muere por mis
mancillas.// Me aso en estas parrillas.// Con fuego de su amor.//" S. José
de Anchieta, Jesus na Festa de São
Lourenço.
S. José de Anchieta
Auto de São Lourenço, Ato I
Auto de São Lourenço, Ato I
Pois teu
amor, pelo meu
Tais prodígios consumou,
Que eu, nas brasas onde estou,
Morro de amor pelo teu.
Tais prodígios consumou,
Que eu, nas brasas onde estou,
Morro de amor pelo teu.
Por Jesus,
meu Salvador,
Que morre por meus pecados,
Nestas brasas morro assado
Com fogo do seu amor.
Que morre por meus pecados,
Nestas brasas morro assado
Com fogo do seu amor.
Bom Jesus, quando te vejo
Na cruz, por mim flagelado,
Eu por ti vivo e queimado
Mil vezes morrer desejo
Na cruz, por mim flagelado,
Eu por ti vivo e queimado
Mil vezes morrer desejo
Pois teu
Sangue redentor
Lavou minha culpa humana,
Arda eu pois nesta chama
Com fogo de teu amor
Lavou minha culpa humana,
Arda eu pois nesta chama
Com fogo de teu amor
O fogo do forte amor,
Ah! meu Deus, com que me amas
Mais me consome que as chamas
E brasas, com seu calor
Ah! meu Deus, com que me amas
Mais me consome que as chamas
E brasas, com seu calor
Estamos
diante de fatos importantes para a identidade niteroiense, pode-se observar e
ver brotar uma devoção muito particular a São Lourenço e o questionamento que
se faz é: Porque São Lourenço não é padroeiro de Niterói? Sua ligação com o
nascimento da cidade é tão íntimo e forte, presente em uma grande contribuição
para a literatura nacional. Escolhido e homenageado na história que envolve
personagens que foram fundamentais para o estabelecimento de uma das mais bela
e famosa cidade do Brasil, o Rio de Janeiro certamente não seria o mesmo que
conhecemos hoje se Araribóia não apoiasse os portugueses naquela batalha
decisiva. A verdade é que, a partir de 1589, uma epidemia de
varíola devastou a aldeia, matando, inclusive Arariboia, São Lourenço dos Índios entrou em profunda
decadência. Com esse declínio ganharam forças os núcleos de colonização
portuguesa que se estabeleceram nos atuais bairros de São Domingos, Icaraí,
Piratininga e Itaipu. Sobretudo os núcleos de colonização em Icaraí, Itaipu e
São Lourenço foram elevados à condição de freguesias durante os séculos XVII e
XVIII, sob os nomes de São João Batista de Icaraí, São Sebastião de Itaipu e
São Lourenço. Pode-se observar uma
referência ao nome de São João Batista. Mas esse processo foi longo, antes
disso, a atual catedral de São João Batista era a Capela Curada de Carri, Carahy ou
Icarahy que foi fundada em 1660, a união do nome de São João Batista à Icaraí
somente pôde ser realizado um tempo depois após o projeto de uma nova catedral
naquela antiga capela se lançado. No entanto, a catedral nesse momento, quando
se quer havia a ideia da construção de uma nova catedral, era a Igreja de Nossa Senhora
da Conceição.
A Igreja Nossa
Senhora da Conceição foi construída entre 1663 à 1671 em um
sítio oferecido pelos herdeiros de Martin Afonso de Souza, - Araribóia
agora era conhecido com o seu nome de batismo - A família De Souza era muito poderosa
e suas homenagem a Nossa Senhora da Conceição não pode passar despercebida.
Além de São Loureço deve-se perguntar: Porque Nossa Senhora da Conceição não é
a padroeira da cidade? Afinal, essa Igreja que se tornou catedral em seu nome é
uma herança muito valiosa da família do homem que é símbolo máximo da fundação
da cidade de Niterói. Curiosamente, durante o longo período em que o templo foi
matriz abrigou a imagem de São João Batista, atualmente exposta na Catedral de São
João Batista.
Com tantas figuras representativas na
história da cidade, porque esse apego a São João Batista? As hipóteses são
várias, inclusive há uma constatação que causa polêmica, a Maçonaria considera
como patrono São João Batista. Seria realmente necessário uma ordem muito
poderosa para sobrepor todas as outras possibilidades e manter uma forte
resistência guardando essa devoção. Certo é que, essa escultura provavelmente estava
em Niterói por interferência de dom João VI. Em
1819, atendendo aos apelos da população, o rei dom João VI, que costumava
passar temporadas de férias no bairro de São Domingos, elevou a região à
condição de Vila Real de Praia Grande. Na Igreja de Nossa Senhora da
Conceição celebrou-se a cerimônia de Te Deum comemorativo a esse acontecimento. A partir desse momento, como em vários outros lugares,
dom João VI ordenará a construção de uma nova catedral em dedicação a São João
Batista. Houve a doação do terreno em 1821. Recebeu esta doação a Irmandade de São João Batista, já existente
desde 1742. Em 1831, sendo Vigário o Padre Tomaz de Aquino, foi benzido o novo
templo, para o qual se fez a transladação do Santíssimo
Sacramento e da imagem que se
encontrava na Igreja
de N.S. da Conceição.
Duas coisas ainda ficam
em aberto, primeiro se de fato dom João VI era devoto de São João Batista, e
segundo se o monarca possuía algum vínculo ou admiração pela Maçonaria. O rei
sempre manifestou ser encantando pela Ordem de São João, mandou fundar por meio
de Alvará Régio várias Igrejas em homenagem ao santo, como exemplo, a Paróquia
de São João Batista do Ipanema, Igreja Matriz de São João Batista da Lagoa, e
também o mais antigo e tradicional teatro do Brasil que foi chamado de Real
Theatro de São João, essa devoção tem suas motivações no próprio nome do
monarca, era absolutamente natural nessa
época as pessoas ganharem o nome do santo de devoção da família ou do seu pai,
e seguir sendo devoto do santo que inspirou o seu próprio nome. Quanto ao
envolvimento com a Maçonaria, esse estava longe de ser amigável. No dia 3 de
maio de 1818, dom João VI proíbe sob pena de morte a existência de sociedades
secretas no Brasil, enquadrando nesta lei a Maçonaria brasileira. É verdade que
seu filho dom Pedro I iniciou-se na loja maçônica “Comércio e Artes” com a
finalidade de obter apoio político para a realização da independência do Brasil,
mas isso ocorreu com a partida de dom João para Portugal, deixando aqui D.
Pedro como regente, permitiu – longe o rei – a reorganização da Maçonaria no
Brasil. Portanto, São João Batista é padroeiro de Niterói por uma devoção muito
particular de dom Joãoo VI, que por um carinho pessoal com as terras de Araribóia
dedicou suas atenções para o desenvolvimento e formação da identidade niteroiense.
Bibliografia:
BUENO, E. Brasil:
uma história. 2ª
edição. São Paulo. Ática. 2003. p. 12.
BUENO, E. Brasil:
uma história. 2ª
edição. São Paulo. Ática. 2003. p. 19.
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viagens ao Brasil: primeiros registros sobre o Brasil. Tradução de Angel Bojadsen. Porto Alegre/RS. L&PM. 2010.
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FRAGOSO,
João Luis Ribeiro. Homens de
grossa ventura, acumulação e hierarquina na praça mercantil do Rio de Janeiro
(1790/1930). Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, 1992
GRAÇA FILHO,Afonso de
Alencastro. A princesa do
oeste e o mito da decadência de Minas Gerais: São João del Rei, 1831-1888.
Publicado por Annablume, 2002, página 84